domingo, 28 de junho de 2009

Cerrado sul maranhense


José de Jesus Sousa Lemos (Me/Dr/Pós Doutor)

O CULTIVO DA SOJA NO SUL DO MARANHÃO: IMPLICAÇÕES AMBIENTAIS, SOCIAIS E ECONÔMICAS

...A expansão de áreas com monoculturas traz problemas a qualquer ecossistema, na medida em que retira a cobertura vegetal original e a substitui total ou parcialmente, por imensas áreas com algumas ou mesmo com uma única cultura. Concomitantemente à descaracterização da paisagem natural, haverá a impactação sobre a fauna silvestre nativa, que perderá as condições do seu habitat natural. As imensas áreas com monoculturas viabilizam o surgimento de pragas e doenças, que antes não se manifestavam, ou se manifestavam em proporções desprezíveis, face à biodiversidade que mantinha o sistema em equilíbrio, graças à multiplicidade de espécies e de predadores naturais, que desaparecem junto com a eliminação da diversidade da paisagem. O surgimento dessas pragas e doenças, por sua vez, fomenta a utilização maciça de agrotóxicos (inseticidas, fungicidas, herbicidas, nematicidas, ou praguicidas em geral) que impactam o restante da fauna (e da flora) remanescentes. Estas práticas, obviamente eliminam as pragas, mas eliminam também os predadores naturais dessas pragas. Vale ressaltar que o uso continuado de determinado pesticida, faz com que as pragas criem mecanismos de resistência. Este fato, associado com a eliminação dos predadores naturais, propicia o recrudescimento destas pragas e doenças nas áreas de forma extremamente voraz e destruidora, o que induz a utilização de praguicidas quimicamente mais fortes, gerando-se assim, um círculo vicioso altamente maléfico ao ambiente e para o ser humano nele inserido. Este é o cenário generalizado, e que sempre será manifestado quando, de forma inadvertida, a ação antrópica retira a manta verdejante natural diversificada, para apor em seu lugar atividades monolíticas de cultivo.
Estas dificuldades tornam-se mais acentuadas, quando os ecossistemas agredidos desta forma são naturalmente fragilizados, como se trata do caso das áreas sob cerrados. Aí o equilíbrio se mantém face à sinergia que existe entre a vegetação natural, a fauna nativa, temperatura e regime pluviométrico.
Neste estudo objetiva-se fazer uma discussão sobre as fragilidades dos ecossistemas de cerrados e as prováveis implicações de sua utilização em cultivos intensivos em capital e agroquímicos em atividades agrícolas de monoculturas ou não diversificadas. Objetiva-se também apresentar indicadores de degradação e de pobreza nos municípios maranhenses situados no Pólo Sul, onde vem sendo incentivado e incrementado o cultivo da soja de forma intensiva no uso de capital na forma de maquinário pesado e de agroquímicos. Adicionalmente a pesquisa contempla uma análise da capacidade dessas áreas com monoculturas implantadas no Sul do Maranhão em reter a mão de obra diretamente envolvida com atividades agropastoris.

Regiões sob Cerrados: Características Gerais e Fragilidades (uma síntese)
A discussão que se segue mostra as características generalizadas dos ecossistemas sob cerrados, as suas peculiaridades e as prováveis conseqüências da sua utilização de forma intensiva, com extensas áreas de lavouras sem diversificação, que requerem um forte aparatos de capital, nas formas de mecanização e de agroquímicos.
As áreas sob vegetação de cerrados no Brasil, segundo estudos realizados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) em 1978, ocupam um espaço de 1,8 milhões de quilômetros quadrados, o que representa aproximadamente 20% de toda a superfície territorial brasileira. Os regimes climáticos que prevalecem nestas áreas são variáveis e heterogêneos, e podem ser caracterizados em cinco regiões. Segundo AZEVEDO & CASER (1980) , a primeira região recebe a influência do clima amazônico, que é quente e úmido, e cobre os estados de Tocantins, norte de Mato Grosso e o Sul do Maranhão. As demais regiões sob cerrados espraiam-se pelos estados do Piauí, Bahia, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e São Paulo.
As vegetações predominantes nas áreas sob cerrados podem ser distinguidas em quatro tipos, com base em aspectos ecológicos, fisiognômicos, e segundo uma ordem crescente de biomassa arbustiva ou arbórea, a saber: campo limpo; campo cerrado; cerrado e cerradão (LOPES, 1983).
As regiões sob cerrados apresentam como uma das suas características marcantes a presença de um estrato herbáceo denso, em que predominam gramíneas que suportam bem os regimes de estiagens. A paisagem de cerrados se complementa com a presença de árvores lenhosas, e com um sub-bosque arbustivo que é composto basicamente de plantas decíduas, ou que estão sempre com a coloração esverdeada, independentemente do regime de chuvas (GUTBERLET, 1998).
As espécies florestais encontradas nos cerrados, geralmente apresentam um sistema radicular com raízes bastante profundas. A estabilidade das plantas do cerrado está bastante relacionada com a intensidade e o tipo de exploração que impactam este tipo de ecossistema. Os impactos na estabilidade destes agroecossistemas variam de acordo com a magnitude das perturbações exógenas, podendo ocorrer a extinção de algumas espécies, devido à prática da agricultura tradicional realizada pelos pequenos agricultores e identificada como “roça-de-toco”, que utiliza a queimada dos restolhos de culturas para ajudar na limpeza das áreas de plantio. No entanto, pode ocorrer a completa remoção de todas as espécies nativas, se forem utilizadas as práticas veiculadas pela chamada agricultura moderna, que é intensiva no uso de capital. Vale ressaltar que a diversidade original do ambiente de cerrados se constitui em importante fator amortizador ou atenuador dos impactos provocados por estresses oriundas da ação antrópica.
São solos que se caracterizam, em geral, por apresentarem níveis bastante críticos de macronutrientes. Apresentam, geralmente, uma elevada concentração de alumínio e um também elevado nível de acidez, traduzido em um baixo pH, que estes solos normalmente sustentam. Em função da dinâmica do equilíbrio existente nestes ecossistemas, os teores de matéria orgânica, na sua grande maioria, apresentam-se em níveis que variam de médios a altos, “tudo indicando que esta é a principal função envolvida na formação de cargas negativas e troca de cátions” (Lopes, op. cit. P. 25).
Nos casos dos cerrados localizados no Sul do Maranhão, as dificuldades são agravadas pelo regime pluviométrico intenso que ocorre durante a quadra chuvosa. As chuvas intensas lixiviam o cálcio existente na superfície para o interior do solo, o que reduz a disponibilidade deste nutriente (já escasso) na parte superior, e que seria utilizado pelas culturas. Estas características de deficiência de nutrientes, presença de um nível elevado de acidez, teores elevados de alumínio e pH ácido desses solos, dificultam a sua utilização em atividades agrícolas, tornando-as mais caras, se o objetivo for a sua utilização em grandes escalas de produção.
Contudo, as práticas utilizadas pela pequena agricultura no toco, em que a queima é utilizada como parte do processo de preparo das áreas para o plantio, apesar de provocarem danos para algumas espécies, como já foi discutido acima, consegue viabilizar a permanência e a exploração destes ecossistemas, de uma forma mais duradoura. Nestes mecanismos de exploração, os pequenos agricultores familiares utilizam cada área por dois ou três anos seguidos (em geral desmatam de um a dois hectares), e em seguida deixam as áreas utilizadas em regime de pousio que pode durar até 10 anos, dependendo da disponibilidade das áreas, e da pressão demográfica eventualmente existente. Este mecanismo viabiliza a recuperação daquelas áreas e, por conseguinte, a sua capacidade de sustentação das famílias ali instaladas. Este sempre se constituiu no sistema de exploração praticado pelas comunidades nativas dessas áreas, sobretudo pelas comunidades indígenas.
As práticas da agricultura no toco, apresentam ainda outras vantagens, de um ponto de vista ambiental. A presença dos tocos nas áreas irá possibilitar a rebrota das espécies, que darão origem às coberturas secundárias, que originarão as futuras capoeiras, que por sua vez, constituirão a nova cobertura vegetal. Além deste aspecto, por si só da maior relevância, de um ponto de vista ambiental, a presença desses tocos nos roçados, dificulta ou mesmo neutraliza, o processo de erosão provocado pelas chuvas torrenciais, ou mesmo pelos ventos. Isto decorre do fato dos sistemas radiculares das plantas originais, que permaneceram fortemente fincados nos solos, atuarem como barreiras refratoras ou como anteparos a estas torrentes pluviais. Por outro lado, estas raízes ainda funcionam como verdadeiras veias que facilitam a drenagem ou a irrigação dessas águas pluviais superficiais para o interior do lençol freático, promovendo assim a sua necessária recarga.
Portanto, práticas agrícolas que impliquem no destocamento dessa áreas terão implicações fundamentais sobre a estabilidade e a recomposição futura desses agroecossistemas. Estas práticas que consistem na utilização de maquinário pesado, associado aos mecanismos capitalistas de exploração agrícola, não serão sustentáveis de um ponto de vista econômico, porque requerem investimentos maciços de capital, e o uso intensivo de agroquímicos. Também não são sustentáveis de um ponto de vista ecológico, haja vista que as áreas tendem a degradarem-se rapidamente, o que inviabilizará a sua utilização futura. Além destes males, estas práticas intensivas em capital, são liberadoras de mão de obra. Assim, além de destruírem a base de recursos naturais, estas práticas provocam desemprego e migração, como seu corolário, da população rural.
Desta forma, a utilização das áreas dos cerrados maranhenses situados no Pólo Sul do estado, com extensas áreas de monocultura de soja ou milho híbrido, nas dimensões das já existentes, e pelas projeções que são feitas para a sua expansão nos próximos anos, terá um impacto espetacular, no sentido de ser degradador, sobre aqueles ecossistemas que, são naturalmente, fragilizados.
No modelo de agricultura dita moderna, ali implementado, são utilizados os chamados pacotes tecnológicos, que consistem na utilização maciça de maquinário pesado, e um volume acentuado de agroquímicos, como corretivos de solo, adubos, além de agrotóxicos (pesticidas em geral, como inseticidas, fungicidas, nematicidas, herbicidas e até desfoliantes). A cobertura vegetal é totalmente derrubada, havendo a destoca, mediante a utilização de tratores de diferentes portes e potências, sendo em seguida jogado sobre as áreas descobertas, o calcário e os adubos químicos. Ou seja, estes mega agronegócios se materializam mediante a utilização de um forte aparato mecânico que poupa mão de obra e utiliza maciçamente os agroquímicos, que devido ao arraste da camada de matéria orgânica superficial que provocam, por conseqüência da operação de destoca, e devido à compactação decorrente do uso das máquinas, irão provocar danos irreparáveis àqueles ecossistemas.
Segundo Lopes (op. cit.), os solos sob cerrados apresentam uma série de fatores limitantes para a utilização em grandes empreendimentos agropecuários. Estas limitações poderiam ser listadas da seguinte forma:
i – constituem-se de solos extremamente ácidos, com problemas de toxidez de alumínio e, em certos casos, de manganês;
ii – caracterizam-se como solos que apresentam teores extremamente reduzidos de fósforo, cálcio, magnésio, zinco, enxofre, nitrogênio, e teores reduzidos de potássio, cobre e boro;
iii – apresentam uma capacidade de troca de cátions extremamente baixa, tanto na camada arável, com nas camadas subsuperficiais;
iv – apresenta toxidez de alumínio nas camadas localizadas abaixo da camada arável, que associada aos baixos níveis de cálcio, é certamente o fator mais limitante para o desenvolvimento radicular em profundidade;
v – ocorrência de “veranicos” no período das chuvas com duração e incidência variáveis.
Por todos estes aspectos, haverá uma necessidade bastante significativa da utilização de altos investimentos iniciais, voltados para os objetivos de correção de acidez, toxidez de alumínio, e aumentar a baixa, e generalizada, deficiência de nutrientes. Todo este processo, altamente dispendioso, só será viabilizado economicamente se houver uma forte participação do Estado, via políticas públicas de crédito rural amplamente subsidiado, e/ou via renúncia fiscal, como é o caso da expansão da soja no Sul do Maranhão. Segundo estudo realizado pelo IBASE em 1986, a eficiência técnica associada à utilização de adubos químicos e corretivos na produção de soja, em ambiente sob cerrados, é da ordem de 80%. Isto quer dizer que, para cada tonelada de grãos de soja, são necessários, pelo menos, 0,8 toneladas de adubos e corretivos químicos. Para produzir soja nos cerrados, além dos adubos e corretivos dos solos, a agricultura dita moderna utiliza um grande arsenal de máquinas e de pesticidas. Estes fatos sinalizam para a não sustentabilidade econômica desta lavoura, se não houver esta forte presença do Estado, criando-lhe as condições de eficiência econômica, que naturalmente não possuem, embora possam ser tecnicamente eficientes, no sentido neoclássico de análise econômica. Mesmo a teoria neoclássica, ensina que a eficiência técnica não implica necessariamente em eficiência econômica.
As discussões apresentadas acima possibilitam antever o que provavelmente ocorrerá aos ecossistemas localizados no Pólo Sul maranhense, caso a atual prioridade continuar a prevalecer para as políticas públicas deste estado. Além do mais, os benefícios econômicos advindos dessas explorações, aferidos pela geração e pelo acúmulo de riquezas na área, beneficiarão um grupo restrito de empreendedores, detentores de meios de produção financiados pelo Estado, deixando à margem um contingente bastante significativo de brasileiros ali ainda residentes, a quem não restará outra alternativa, a não ser a migração para as áreas urbanas do estado, ou mesmo para outros estados, como aliás já vem acontecendo, e está registrado na última recontagem da população realizada pelo IBGE em 1996. Ou seja, a permanecer o atual projeto de exploração dos cerrados maranhenses, a concentração da renda neste estado (que já se caracteriza por ser uma das mais elevadas do país, que por sua vez é uma das mais altas do mundo), tenderá a se agravar, e a pretendida e bem intencionada redução das desigualdades regionais almejadas e explicitadas no discurso da Governadora do estado, não irá ser concretizada, e o Maranhão poderá prosseguir a presenciar um fluxo migratório descontrolado, o que continuará a pressionar as já precárias condições prevalecentes na zona urbana das cidades maranhenses, sobretudo da sua capital...

Fonte: funaguas

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